As previsões alarmistas de Thomas Malthus falharam, mas nem por isso a tarefa tem sido fácil. O avanço da população mundial – que neste ano chegará a 7 bilhões de pessoas – eleva a pressão por alimentos, infraestrutura e serviços essenciais como educação e saneamento. E, ao mesmo tempo em que tenta atender a essas demandas, o mundo encontra grandes dificuldades para reverter e minimizar os danos ao meio ambiente, diminuir as desigualdades econômicas e sociais e lidar com a falência dos grandes centros urbanos
Em 2011 a população mundial atingirá 7 bilhões de habitantes, o que representa um crescimento de 1 bilhão nos últimos 12 anos. Ainda que o ritmo do aumento tenha contrariado as projeções mais alarmistas, que supunham que esse número seria atingido dez anos antes, esse avanço impõe uma série de desafios de ordem econômica para os próximos anos. Em 2050, estima-se que a população mundial alcance a marca de 9 bilhões. A pressão por alimentos, infraestrutura, educação, saneamento e habitação e um movimento de forte migração de mão de obra devem se intensificar, principalmente a partir dos países em desenvolvimento, que lideram as taxas de crescimento populacional.
Segundo a organização norte-americana Population Reference Bureau (PRB), que produz relatórios sobre a população mundial desde os anos 40, esta será a segunda vez em que a população humana cresce 1 bilhão em apenas 12 anos – na ocasião anterior, o salto foi de 5 para 6 bilhões, entre 1987 e 1999.
As projeções do PRB indicam que o Brasil, hoje o quinto país mais populoso do mundo, com 191 milhões de habitantes, passará a oitavo em 2050, com 215 milhões. Até lá, a população brasileira terá sido superada pelas de Bangladesh, Nigéria e Paquistão. Hoje, são mais populosos que o Brasil – e ainda serão em 2050 – China, Índia, Estados Unidos e Indonésia.
O crescimento populacional, porém, tende a ocorrer em um ritmo mais lento nos próximos anos. A realidade tem contrariado o principal postulado do economista inglês Thomas Malthus, de que o ritmo de crescimento populacional seria mais acelerado que o ritmo de crescimento da produção de alimentos (progressão geométrica versus progressão aritmética). Para Malthus, a população alcançaria a marca dos 7 bilhões na virada de 1999 para 2000. Mas ele não contava com avanços tecnológicos na área de produção de alimentos e com o controle de natalidade, que vem reduzindo o número de filhos por mulher.
A escola malthusiana previa um cenário apocalíptico de fome e guerras, em que as possibilidades de aumento da área cultivada estariam esgotadas, pois todos os continentes estariam plenamente ocupados pela agropecuária e, no entanto, a população mundial ainda continuaria crescendo.
Uma das teorias mais recentes – a do demógrafo americano Joel E. Cohen, autor do livro Quantas pessoas a Terra pode abrigar (na tradução livre em português) – estima que o limite de habitantes no planeta estaria entre 8 e 16 bilhões. Para ele, a questão não é tanto o número, mas o tipo de vida que vamos querer para nossos filhos. O padrão de consumo, o nível de inovação tecnológica e as matrizes energéticas adotadas são escolhas que vão influenciar diretamente o cenário, afirma o professor Alisson Barbieri, professor do Departamento de Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Se todos os habitantes da China tiverem um nível de motorização comparável ao dos Estados Unidos, por exemplo, as condições de poluição serão severamente agravadas.
Roger Revelle, diretor do centro de estudos populacionais da universidade norte-americana de Harvard, calculou que a Terra poderia sustentar 40 bilhões de pessoas, desde que todas fossem vegetarianas radicais. Mas, se toda a humanidade fizer questão de comer seu bife suculento todos os dias, o limite de população cai para 10 bilhões. A diferença, segundo Revelle, está nos efeitos que a produção de carne e de laticínios provoca no meio ambiente, com a utilização de grandes áreas de pastagens e consumo de água.
O grande desafio das próximas décadas será encontrar fórmulas para reverter e evitar novos danos ao meio ambiente, diminuir as disparidades econômicas, as desigualdades sociais e a falência dos grandes centros urbanos. Para o professor Barbieri, a fome vai continuar a assolar países com forte crescimento populacional e nos quais não se vislumbram mudanças institucionais. Ao mesmo tempo, novas tecnologias e a ciência têm se mostrado eficazes em apontar soluções para amenizar as pressões de demanda por alimentos, bens de consumo, infraestrutura e serviços.
Clima e alimentos
A fome já atinge metade da população mundial, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), mas não por falta de alimentos, e sim pela má distribuição e falta de recursos. Alterações climáticas, no entanto, podem reduzir a produção de alimentos no mundo. Pesquisadores têm buscado novas tecnologias para que se possa produzir com as temperaturas do planeta aumentando rapidamente. “Há estudos no Brasil, por exemplo, para produzir feijão resistente a um grau de temperatura a mais”, lembra Alisson Barbieri, professor do Departamento de Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Redução de safras e um maior interesse por investimentos em ativos de energia também podem pressionar os preços das commodities agrícolas. “Em 2008, por exemplo, o mundo já viveu um cenário de inflação mundial de alimentos, o que pode se repetir nos próximos anos”, afirma.
Dança das cadeiras
O mapa econômico mundial será profundamente alterado nas próximas décadas, com os grandes países emergentes se tornando potências econômicas. Os Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) vêm se consolidando como uma aposta de longo prazo entre os investidores. O Brasil, segundo projeções do Banco Mundial e de consultorias, deve se tornar a quarta maior economia mundial em 2050. Em 2011, de acordo com previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI), ocupará o sétimo lugar. A China deve continuar a medir forças com os Estados Unidos, segundo o economista Gilmar Mendes Lourenço, coordenador do Departamento de Economia do FAE Centro Universitário. “De maneira geral há um redesenho da economia mundial desde 1995, com a queda da inflação mundial e o aumento de poder da China.”
Para o economista Constantin Jancso, do Banco HSBC, o ranking da economia mundial caminha para a chamada linha da convergência, com os países mais populosos tomando a dianteira. “Países menos desenvolvidos tendem a adotar novas tecnologias e queimar etapas rumo a uma posição importante. É o caso da China, da Índia e do Brasil”, diz. Para ele, o país tem a chance de crescer entre 4,5% e 5% ao ano na próxima década. “Mais que isso, o país não teria condições de sustentar”, afirma, ao citar os gargalos na área de educação, de qualificação de ensino e infraestrutura, que contribuem para o chamado custo Brasil. Além disso, o país caminha para atingir o pleno emprego, o que trará a necessidade de um processo mais intensivo de mecanização no campo e na indústria, com investimento de capital em equipamentos.
Migração de mão de obra
O avanço populacional concentrado sobretudo em países menos desenvolvidos e a tendência de encolhimento do número de pessoas em países da Europa Ocidental – pressionados pelos baixos índices de natalidade – vão incentivar ainda mais a migração de mão de obra nos próximos anos. Segundo especialistas, as más condições de vida em países pobres devem forçar a mobilidade de pessoas rumo a nações mais ricas, que sofrem com a escassez de mão de obra para exercer atividades mais básicas. Para a professora Gislene Santos, professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), especialista em fluxos migratórios internacionais, países como Portugal e Alemanha são exemplos dessa tendência. “O mundo terá de pensar uma sociedade cultural com grande mobilidade de pessoas, com menor número de restrições à imigração.” A taxa de natalidade é um fator que vai influenciar esse cenário. Um exemplo dessas diferenças pode ser medido pela comparação entre Uganda e Canadá. Embora tenham praticamente a mesma população hoje, estima-se que até 2050 haverá dois ugandenses para cada canadense. A taxa de fertilidade em Uganda é de 6,7 crianças por mulher, cinco a mais que a canadense.
Bônus brasileiro
As próximas duas décadas representam, para os brasileiros, a chance de aproveitar o chamado “bônus demográfico”, uma condição extremamente favorável que ocorre quando a maior parte da população está em fase produtiva. Graças ao aumento da idade média da população, hoje cerca de dois terços dos brasileiros se encontram na faixa etária entre 15 e 64 anos. Esse cenário favorável de transição demográfica deve perdurar até 2030. A estimativa é que a taxa de crescimento demográfico fique em média entre 0,8% entre 2000 e 2030, caindo para 0,4% na sequência.
Este fato favorece a poupança e o investimento, tanto das famílias quanto da sociedade. Em resumo, a população não é um entrave, mas um fator que pode impulsionar o desenvolvimento. O chamado bônus só ocorre uma vez na história de cada nação. Um estudo dos professores Bernardo Queiroz e Cássio Turra, ambos especialistas em demografia econômica e professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostra que o Brasil pode crescer até 2,5% ao ano exclusivamente pelo bônus. “Mas para que isso ocorra será fundamental investir em educação e qualificação de mão de obra”, completa Alisson Barbieri, também da UFMG. Segundo ele, o Brasil teria de já vir se preparando para a transição há cinco anos. “Eu diria que começamos o jogo perdendo de um a zero. Mas é um placar que pode ser revertido.”
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